No post anterior eu falei um pouco do meu primeiro jogo, o Weihnachtsstress. Este jogo foi feito com uma coisa em mente: homenagear a minha família adotiva alemã que sempre me apoiou por aqui. Todos os personagens estão baseados nesta família e a ideia e o jogo em si foi o presente de natal deles aquele ano. Eles adoraram! Hoje eu quero falar como essa ideia saiu da mesa da sala e foi ver o mundo. Göttinger SpieleautorentreffenNeste post vou contar como foi a minha experiência em um evento para desenvolvedores de jogos muito especial na cidade de Göttingen, Alemanha. O Göttinger Spieleautorentreffen (Encontro de autores de jogos de Göttingen) é o encontro mais antigo e tradicional voltado para criadores de jogos analógicos na Alemanha, chegando à sua 37ª (!) edição anual em 2017. As últimas edições tiveram um público de mais de 200 desenvolvedores de jogos apresentando suas criações para representantes de editoras, repórteres, blogueiros, donos de lojas de jogos e também ao público em geral, que só pode visitar o evento no domingo. O evento gira em torno de Reinhold Wittig, que fundou e continua a organizar o encontro. Reinhold, além de muito simpático, é um dinossauro dos Board Games. Entre 1980 e 1994 seus jogos levaram 6 prêmios especiais do Spiel des Jahres, além de ter quase outra dezena nomeada tanto para o prêmio principal quanto para o Kinderspiel des Jahres, o prêmio voltado para o público infantil. Além de criador, Reinhold é artista plástico e seus jogos editados pela Perlhuhn possuem como marca principal o uso criativo de materiais, a interatividade entre os jogadores e a relativa simplicidade na curva de aprendizado. Escudado por Hilko Drude eles são os responsáveis por trazerem desenvolvedores de toda a Europa uma vez por ano para Göttingen. Um jogo de Wittig chamado 'Jogo'. Quem pode, pode, Quando estava desenvolvendo o Weihnachtsstress em 2014 eu não sabia desta cena de jogos em Göttingen, mas quando descobri que este evento iria acontecer, entrei em contato com a minha grande amiga Fanny que se prontificou a dar uma identidade visual nova ao jogo. Depois de muito trabalho, ajuste de regras e discussão sobre a arte do projeto, fomos eu a Fanny e a Elena, minha namorada, ao evento felizes como crianças. Foi um deleite ver tantos projetos ali reunidos, logo começamos a conversar com nossos vizinhos de mesa e todos tinham esta grande esperança: ter o jogo reconhecido por uma grande editora. Descobri que daquele encontro já haviam saído grandes nomes como Teubner e Prinz. Depois do nervosismo inicial veio a parte mais tensa, sentar junto ao jogo e esperar que alguma editora passasse por ali. Como no primeiro dia o evento é fechado ao grande público, isso acaba gerando uma expectativa. A primeira editora que passou pelo meu estande foi a Hans im Glück, de Carcassone e outros clássicos. A representante, um pouco seca e bem objetiva, ouviu com atenção as regras e jogou duas rodadas inteiras, mas no final disse que não tinha o perfil da empresa deles por causa dos componentes do jogo (na primeira variante tinha vários imãs que funcionavam como um calendário que os Alemães chamam de calendário de advento) e pela falta de algo verdadeiro inovativo. Comecei já com o pé esquerdo e com a moral baixa. Logo em seguida, sentou à mesa o representante da Schmidt Spiele (do jogo Qwirkle), que jogou uma partida quase inteira e conversou bastante comigo sobre o mercado e os custos de produção de jogos, além de possibilidades de Financiamento Coletivo alemão. Ali eu já vi que aquela história de ter imãs em jogos não ia levar o Weihnachtstress a lugar nenhum. A terceira empresa que passou não foi uma editora e sim uma agência de jogos, a White Castle, da Áustria. Eles ficaram bem interessados no jogo e passamos um tempo falando sobre alternativas para o calendário magnético: dados com cores. Eu gostei bastante da ideia e incorporei ao jogo depois. Depois veio o pessoal da Korea Board Games, um Alemão e um Coreano. Eles disseram que, na Coreia, o natal estava muito na moda e que um jogo com essa temática poderia ter bastante sucesso. Eles ficaram interessados e disseram que queriam testar o jogo. Minha primeira vitória! Afinal, uma editora pedir pra testar o jogo era o grande objetivo. Quando eu ainda estava extasiado e já aliviado, chegou um rapaz representando a Kosmos Verlag (Catan, Exit, Imhotep e muitos outros). Ali eu percebi que havia aprendido muito durante o dia. Conseguia apresentar o jogo com mais fluidez já identificando os problemas e apresentando soluções, falava do apelo do tema e como seria possível viabilizar o produto. Ele se divertiu e bateu o martelo: a Kosmos queria testar o jogo. Aí sim eu fui à loucura. A maior empresa de jogos alemã ficou genuinamente interessada no meu jogo! Foi difícil dormir naquele dia. No dia seguinte foi muito diferente por ser aberto ao público geral. Vieram, acima de tudo famílias, e a mesa de Weihnachtstress estava ocupada o tempo todo. Foi muito legal ver crianças jogando e pedindo pra repetir no fim. Também foi bom pra ver o que não era adequado à crianças e o que funcionava bem. Depois do evento eu refiz o jogo, adaptei as regras com base nas críticas e enviei para a Kosmos. 6 meses depois, quando eu já estava trabalhando em outro protótipo, eu recebo o feedback deles: o jogo é bom, está bem desenvolvido junto com a temática de natal, mas o tema é arriscado demais para ser lançado, já que venderia bem durante o período de natal, mas não teria apelo durante o resto do ano; a mecânica em si não é inovativa o suficiente para ser transladada para outro tema. Num primeiro momento bateu aquela decepção. Tanto trabalho, tanto investimento para morrer na praia. Foi difícil lidar com aquilo. Daí eu comecei a pensar, quais eram os meus objetivos com o Weihnachtsstress? Na verdade, eu fiz aquele jogo como um presente de natal para a minha família adotiva alemã, era uma homenagem a eles e essa missão foi mais do que cumprida. E essa brincadeira acabou indo muito mais longe do que eu imaginava: acabou na mesa de testes de uma das empresas mais renomadas da Alemanha. Aquilo não era uma grande derrota, e sim uma primeira vitória. No processo eu tinha aprendido bastante e, mais do que isso, havia descoberto uma nova paixão: criar jogos. No ano seguinte lá estava eu de novo no Spieleautorentreffen com outro protótipo. No próximo post eu conto como foi. Fica aqui a minha forte recomendação para os autores brasileiros que estiverem pensando em passear pela Europa no mês de Junho. Encaixem Göttingen na viagem de vocês! Inclusive, eu me disponho a ajudar com qualquer coisa, é só entrarem em contato. A parte negativa disto é que tenho perdido a chance de conhecer o pessoal da cena no Brasil que, pelo o que eu tenho observado, está arrasando. Como vocês veem os eventos voltados para os protótipos no Brasil? Queria muito ouvir a experiência de vocês. Abraços e até a próxima! Pedro
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Na Alemanha, há um conceito divertido chamado 'Weihnachtsstress', ou estresse de Natal. À primeira vista, parece uma ideia um pouco estranha já que o Natal é, geralmente, o momento de relaxar, de estar com a família e de começar os ritos de passagem de fim de ano. No entanto, para muitos, o Natal nada mais é do que perambular pela cidade para achar um presente para aquela tia que você só vê uma vez por ano, gastar uma grana num aparelho que você nem sabe o que faz, mas o seu pai quer ter, ou enfrentar uma turba de pais desesperados nas lojas de brinquedo para achar aquele carrinho/boneco/brinquedo-originalmente-feito-para-autistas para o seu filho ou filha. Esse é o clima de Weihnachtsstress. Weihnachtsstress é um jogo familiar de 2 a 4 jogadores com duração de 30-45 minutos em que os participantes estão na correria à procura do presente perfeito para os membros da família. O tio chato da gravata, por exemplo, quer um presente com as seguintes características: 2 de Preço (peça amarela), 3 de Bom Gosto (peça verde) e 1 de Criatividade (peça vermelha). O jogador deverá trocar as suas próprias peças por aquelas que estão em bolsas representando lojas espalhadas pelo tabuleiro. Dependendo da cor da bolsa (verde, amarela, vermelha ou branca - uma mistura de todas as peças), o jogador terá uma chance maior de conseguir a peça que deseja. O divertido é que ele tem sempre que colocar ao menos uma de suas peças na bolsa desejada, mudando a sua configuração inicial. Além disso, algumas peças retiradas das bolsas conferem habilidades especiais como a Bicicleta, que permite que o jogador ande dois espaços ao invés de um, ou a peça Macgyver, que permite ao jogador retirar diretamente 1 pedra de uma bolsa vermelha (Criatividade) qualquer. Mas nem tudo é maravilha em Weihnachtsstress, já que cada bolsa contém uma peça que não ajuda em nada na busca pelo presente, mas pode ser usada como moeda de troca em futuras transações. Cada presente encontrado confere ao jogador o número de Pontos de Vitória que está descrito na carta. Quando não houver mais pessoas para receber presentes, o jogo acaba e o jogador com mais pontos ganha a partida. Como todos os jogos familiares, Weihnachtsstress contém uma boa dose de aleatoriedade e tem como principal trunfo a experiência táctil de puxar pedras das bolsas, funcionando muito bem com crianças. No próximo post, explicarei o contexto de criação do jogo e depois como ele foi recebido pelas editoras. Abraços! Pedro Arte: Fanny Prouté Morino |
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