Nos últimos anos a editora Zoch tem trabalhado com a associação de desenvolvedores de jogos Spielwerk de Hamburgo da qual eu sou membro. Juntos, eles organizam um concurso de protótipos em que a Spielwerk decide três finalistas e a Zoch escolhe um vencedor publicando assim o jogo premiado. Nesta edição do concurso eu tive o prazer de participar da avaliação dos protótipos. A Spielwerk-Hamburgo é uma associação que visa promover o intercâmbio entre os interessados em desenvolvimento de Board Games. Este ano quem está tomando a frente do grupo é o Shaun Graham, autor de Jolly & Roger em conjunto com Scott Huntington, e Björn Mätziger, autor de Da Yunhen. Alguns dos autores que fazem parte do grupo são Michael Luu, autor de Rob n Run, e Manuel Correia, autor de Multiuniversum e Superhot. Este ano o concurso está voltado para jogos de dados que os usassem de maneira inovativa. A Spielwerk recebeu quase 30 regras de jogos para o concurso e 9 foram escolhidos para serem testados. Eu li as regras de todos e fui para a noite de testes. Ali encontrei o pessoal da Spielwerk e gostei de ver que bastante gente apareceu. Éramos 10 pessoas testando os jogos. Logo as mesas se formaram e os dados estavam rolando para todos os lados. A metodologia adotada foi cada um jogar o máximo possível de jogos e depois, em grupo, encontrar um consenso entre todos os membros. O primeiro jogo que eu testei foi Klau die Sau! (Roube o porco!) de Kaddy Arendt. Neste jogo de agilidade, mais de 40 dados são lançados no centro da mesa. Cada jogador tem um dado na sua cor e um minitabuleiro com um estábulo e um chiqueiro. Todos rolam os dados personalizados ao mesmo tempo e começam a catar os dados que estão no centro que tenham o mesmo numero do dado rolado. Quando não há mais dados com o numero rolado, o jogador tem que dizer Stop! Em seguida, acontece uma fase de pontuação. Todos os dados coletados são relançados e o jogador pode montar combinções como no jogo General, buscando duplas, trios quadras ou sequências de números. Depois da pontuação, os dados vão para o chiqueiro e nas rodadas subsequentes os dados podem ser roubados também dos chiqueiros alheios. O jogo não me agradou por apresentar um problema clássico em protótipos: as duas fases do jogo não se comunicam uma com a outra. A dinâmica da primeira fase de coletar porcos-dados é divertida, mas não tem nenhuma relação com a segunda fase onde cada jogador faz contas consigo mesmo para tentar angarias mais pontos. O jogo é demasiado longo para a complexidade que oferece e tem dados demais. Nem um jogador de basquete conseguiria colocar 40 dados na mão e jogá-los. Na segunda vez que joguei, a experiência foi um pouco melhor, mas a minha impressão continuou a mesma. O segundo jogo da noite doi SarCUBOphagus de Sebastian Schwarz. O diferencial deste protótipo é que ele não obedece muitas fronteiras espaciais. A área de jogo é formada por 20 dados roxos que representam amoras e 3 dados verdes que são plantas carnívoras. Cada jogador recebe um set de dados na sua cor. Este dados são os insetos que vão à floresta comer as amoras desde que consigam fugir das plantas carnívoras. Primeiramente, o jogador decide quantos dados ele lançará na área de jogo e quantos serão o chamado reforço. Por meio de petelecos o jogador lança seus insetos e precisa cair a menos de 5 cm de distância, conferido com uma mini-régua, de uma amora para comê-la. Além disso, o número do dado tem que ser maior do que o do dado da amora. Caso este numero seja menor, o jogador poderá usar um dos dados de reforço para ultrapassar o número da amora. Se mesmo assim, o número do jogador for menor, o dado se transforma numa planta carnívora. No entanto, caso o dado-inseto aterrisse a 5 cm de uma planta carnívora, ela o comerá, retirando o dado do jogo, antes de que a amora possa ser coletada. O jogo acaba quando não há mais amoras e o vencedor será aquele com o maior numero de pontos (as faces dos dados são os pontos de vitória). Eu me diverti com esse jogo. Ele possui uma variabilidade tática quando se domina a arte do peteleco, ou seja, se pode tirar as plantas do caminho. Infelizmente, os dados dos outros jogadores são retirados ao final do turno. Se eles ficassem na area de jogo e pudessem ser empurrados pelos dados dos outros jogadores seria mais interessante. O pessoal achou o jogo muito aberto, pois os dados acabam caindo muito longe às vezes e no final fica um concurso de mira para ver quem consegue alcançar a última amora. Creio que esse problema possa ser resolvido facilmente com uma linha simbolizando as fronteiras do jogo. O próximo jogo foi Haufen Raufen de Sophia Wagner, que fez um estardalhaço na Spiel 2017 com seu jogo de estreia Noria. Haufen Raufen é um party game em que cada jogador controla um clã com habilidades especiais. Estes clãs vão lutar uns contra os outros até sobrar um só – o vencedor. O combate ocorre da seguinte maneira. Cada jogador possui 6 dados e controla 6 guerreiros que possuem uma sequência de números e uma tática de batalha. A sequência de números representa a defesa do guerreiro, ou seja para derrotar um guerreiro adversário eu preciso rolar a sequência que está descrita em sua ficha. Os jogadores rolam os dados simultaneamente e podem rerolar quantas vezes quiserem. Aquele que tiver a sequência correta para derrotar um guerreiro adversário pega o juiz – que é um pato de borracha – e grita HAUFEN RAUFEN! Caso aquele jogador realmente tenha a sequência correta, ele recebe o guerreiro vencido do jogador e o colocará no final da sua fila de guerreiros. Caso este guerreiro seja derrotado novamente, ele sai do jogo (de um lado da ficha está anotado que o guerreiro já foi usado uma vez, ou seja, é so virar a ficha para controlar quem ainda está no jogo). Além disso há uma dificuldade: alguns guerreiros tem uma tática especial, ou seja, o jogador terá que jogar os dados com uma condição específica: com o queixo na mesa, em pé, fazendo uma tromba de elefante e outras coisas no melhor estilo Dungeon Fighter. O jogo é bem interessante e dinâmico. Como se tem que prestar atenção em várias coisas e ao mesmo tempo rolar os dados freneticamente, o ritmo fica bem agitado. O sistema de combate funciona bem e as táticas trazem uma variabilidade bacana durante o jogo. Os poderes especiais dos personagens estimulam o jogo. O único problema é que o jogo demora um pouco mais do que a sua proposta oferece. Com 6 guerreiros que voltam a vida sob controle de outro jogador, no fim se percebe já uma certa monotonia. Creio que 4 guerreiros seriam suficientes, inclusive para valorizar os atributos de cada guerreiro. Em seguida foi a vez de Dice Flick de Rami Gaber. Um jogo abstrato de peteleco muito parecido com a proposta de DIE DIE DIE, mas mais simples. A caixa se transforma na área do jogo com um grid retangular com círculos dentro. 30 dados de 5 cores diferentes são postos numa bolsa e cada jogador sempre tem 3 dados dos quais pode lançar 2 por turno. Nas bordas da caixa há 6 rampas de lançamento petelecais e o objetivo é fazer com que os dados lançados caiam nos círculos e formem colunas verticais ou horizontais. Quando os dados amarelos, verdes ou pretos formam uma coluna na sua respectiva cor, o jogador pode recolher estes dados e lançá-los fora da caixa. Ele receberá a quantidade de pontos de vitória que aparecem nos números dos dados. Os dados brancos funcionam como coringas e os dados vermelhos são bombas que levam consigo todos os dados em sua volta, fazendo uma explosão de pontos. De todos os jogos este era o que tinha componentes mais inovativos. A caixa, apesar de simples, era muito bem feita e proporcionava dificuldade suficiente nos petelecos. O jogo com três pessoas tinha uma complicação. Muitas vezes eu tinha a impressão de estar construindo pontos para os adversários, mas no jogo com quatro que se joga em dois times, essa impressão se dilui. Os dados vermelhos trazem um efeito inesperado e os brancos consertam algumas possibilidades de frustração. Um problema que eu percebi foi que, como se pode usar todas as rampas de lançamento, as pessoas acabavam fazendo só o fácil e não tentavam lançamentos mais arrojados em direção ao outro lado do tabuleiro. No geral, foi o jogo que mais arrancou risadas e “Wows” do pessoal que jogou. O último jogo que eu pude jogar na noite foi o Magic orbs de Daniel Fehr, Robert Stoop e Monika Wilhelm. Neste jogo são usados dados redondos com numeração de 1 a 6 para tentar alcançar partes do tabuleiro onde estão cartas com um número. Em algumas cartas deve-se superar o número escrito e em outras deve-se ficar abaixo deste número. Os dados-esferas eram muito lindos, mas o tabuleiro não tinha a mesma qualidade então era difícil entrar com os dados, deixando tudo muito aleatório. Os perigos não eram interessantes ou variados o suficiente e o jogo acabou ficando muito raso, nada muito mais elaborado do que um jogo de bolinhas de gude. No fim da noite, nos reunimos para decidir quais seriam os três jogos a serem enviados para a Zoch. Discutimos cada jogo individualmente e decidimos que 4 deles precisavam de mais trabalho e desenvolvimento: Klau die Sau, Taku, que eu não pude jogar, mas era como um xadrez viking em pequena escala, Magic orbs e Öch nö de Kaddy Arendt, que eu também não tive a oportunidade de jogar. Dos quatro melhores, o que mais agradou foi o Dice Flick. Os outros três, Haufen Raufen, SarCUBOphagus e Kata-Zomm de Matthias Göbbel, um jogo para crianças que envolve jogar dados dentro de um tabuleiro derrubando animais de papelão, dividiram opiniões. Depois de muita discussão e para evitar injustiças com os autores, decidimos enviar todos os quatro já que o consenso foi que estes 4 agradaram e os outros 4 nem tanto. Particularmente, eu fiquei entre Dice Flick e Haufen Raufen, pois Dice Flick tem cara pronta já, mas Haufen Raufen é mais o meu estilo. SarCUBOphagus tem uma boa ideia, mas acredito que o desenvolvedor tem que pensar em uma ou duas coisas para fazer de uma boa ideia um grande jogo. Espero que dê uma doida na Zoch e todos os três sejam publicados! Que jogos de dados vocês conhecem que se parecem com os que eu comentei aqui? O que vocês acharam dos jogos? Fiquem ligados na próxima chamada ano que vem para mandarem seus protótipos. Um print and play já basta e se o protótipo for simples de replicar eu me disponho a ajudar com todo o prazer. Site do concurso e da Spielwerk: http://spielwerkhamburg.de/aktueller-wettbewerb/ Um grande abraço, Pedro
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AutorPedro Martins joga o que aparecer pela frente, gosta de línguas modernas e antigas e de fazer seus próprios jogos. Histórico
Janeiro 2018
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